quarta-feira, 25 de maio de 2011

O sonho das três meninas.

O título é bem explicativo. Se deve ao sonho que tive na noite de ontem, embora eu tenha certeza que o sonho me ocorreu entre às seis e as dez da manhã. Foi algo bobo, ainda mais porque não sou o melhor interpretador de sonhos, ou seja, passou como uma coisa inocente em minha mente. Talvez seja. Talvez não. Quem vai saber?
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤEu caminhava para a casa do meu pai, havia começado a chover. Dava para sentir a sensação da lama respingar no meu pé e meus cabelos grudar-me na testa enquanto as gotas escorriam pelo meu rosto. Não chovia forte, mas o necessário para deixar qualquer um ensopado. Exceto três figuras que se aproximavam na calçada de concreto. Eram três meninas, aparentemente, depois que acordei presumi que fossem irmãs mas descartei essa ideia. Estavam em cima de uma bicicleta que parecia mais um mini foguete de rodinhas e estavam impecavelmente secas. A menininha do meio, que comandava o guidom tinha os cabelos castanhos bem encaracolados e os olhos miúdos. As outras duas eu pouco via, embora soubesse que a da frente fosse completamente loira e a de trás os cabelos eram negros e curtos. Ouvi quando a do meio, ainda sem nenhuma gota d'água, disse às outras duas enquanto pedalavam: Minha mãe disse que agora os viados poderão se casar, viu? Eu sabia que aquele comentário era em relação a união homoafetiva, não sabia como, mas sabia.
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤOuvir aquilo me deu um aperto no coração que me fez parar e pensar: Isso veio mesmo da boca dessa menina? Quantos anos ela devia ter? Não passava de seis, eu tinha certeza, não devia ser mais velha que meu irmão.
Parei, me abaixei e coloquei a mão em seu ombro. Ela me olhou com seus olhinhos inocentes e sem estranhar minha reação, apenas me estudando calmamente e com um meio sorriso nos lábios.
O que você disse é muito feio, sabia? Eu falei em um tom calmo e sereno, como de um pai que adverte sua filha sem querer fazê-la chorar. Sabia que eu sou gay?
Ao ouvir essas palavras suas feições infantis se contorceram numa máscara de nojo e preconceito precoce. Seu olhar de incredulidade ao me ver pronunciar aquelas palavras pesaram sobre mim.
Continuei com a mão em seu ombro, que mesmo molhada não escorria uma gota se quer para a linda criança na minha frente.
Olhe, eu tenho um anjo que Deus me deu lá em casa, você sabia? eu disse.
Ela fez que não com a cabeça, seus cabelos balançando suavemente.
Ele é do seu tamanho, tem seis anos continuei. E o nome dele é João Pedro. Eu ensino para ele que é muito feio falar coisas assim, que somos todos iguais, e nada importa. Ser gay ou qualquer outra coisa, não importa porque somos todos iguais diante de Deus, tá bom?
Depois disso eu não lembro mais de muita coisa, apenas um outro sonho entrou e afogou esse primeiro.

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤAcordei com o pensamento de obrigação de que eu precisava postar isso aqui ou compartilhar com alguém, mas esperei até a noite. E o mais curioso foi que na ida para o trabalho, dentro do ônibus, em determinado ponto entrou um casal com suas três filhas. A que eu supunha ser a mais velha sentou ao meu lado, numa tentativa de querer "demonstrar que já pode sentar numa cadeira de ônibus sozinha" para os pais. Não tirei muito meus olhos do livro que estava lendo mas de relance pude perceber que seus cabelos eram castanhos e os olhos miúdos. Quando finalmente parei a leitura e corri os olhos pelas duas meninas (a terceira estava atrás com o pai) tive a certeza de que eram perfeitas cópias das meninas do meu sonho. Esperei para que algo extraordinário acontecesse. Mas não aconteceu. Fiquei apenas com a lembrança do meu sonho de manhã na mente, temendo que tirem de nossas crianças o que elas têm de melhor: a inocência. Gay, lésbica, negro, branco, cristão, espírita, budista, pobre, rico...criança não designa quem é melhor ou pior, quem faz isso somos nós ao ditarmos esses rótulos. Deixem as crianças serem crianças pelo menos uma vez na vida, porque é essa a única e preciosa vez que elas terão. E encostando a cabeça no vidro da janela apaguei. Sem sonhar com nada.

Um comentário:

Gabriela disse...

É bem surreal quando você sonha com algo e depois uma parte desse sonho aparece pra você.
Há algumas semanas atrás eu estava sonhando com um cara e teve uma vez que ele subiu no ônibus em que eu estava e sentou lá atrás.

Será que tem alguma ligação entre sonhos e ônibus? oO

O problema é que as pessoas as vezes não sabem definir o certo do errado e ensinam o errado para as crianças que são uma folha de papel em branco. É só desenhar um esboço que elas se pintam por si só.

Lindo o texto. Depois passa lá no meu blog x)
beijoos