segunda-feira, 2 de maio de 2011

Seria preocupante se não fosse trágico e não tivesse acontecido comigo.

Alguns dias atrás eu tinha dito que a vida não prestava. Se eu soubesse, ao mesmo desconfiasse de que o que aconteceu fosse acontecer, talvez eu permanecesse com a ideia. Quem me conhece, sabe que na semana passada eu tive uma pequena desevença com meu pai sobre minha sexualidade, o que me deixa a pensar muito. E agora, deitado aqui, apenas ouvindo o barulho do ar condicionado, sei que tudo o que acontece com a gente é para o nosso total aprendizado.

Aconteceu um pouco depois das nove e meia da noite após eu sair do trabalho. Eu tinha agradecido pela chuva ter dado uma tregua e falava ao celular com meu namorado. Parece que foi instintivamente ao dizer a frase no telefone "eu tenho o melhor namorado do mundo", naquele momento senti minha mochila ser arrancada com força, o que me fez perder o equilíbrio. Mãos socaram a minha barriga e finalmente eu cai sem fôlego. Meu primeiro pensamento não foi o motivo de porque eu estava passando por aquilo, mas o porque niguém me socorria.  Não houve mais socos no início, o que me deu tempo de correr os olhos pela rua e constatar que não passava ninguém ali além de carros. Lembro de ter segurado o celular (o qual devia ter desligado com a queda) com força e o empurrando para dentro do bolso da minha calça.
Três garotos me olhavam de cima. Por estar escuro e o soco ter me deixado desorientado eu apenas os enxergava por vultos negros disformes. Ouvi quando a voz de um falou bem próximo de mim em tom baixo " para deixar de ser viado. "

E foi ali que eu entendi o motivo da agressão. Tinha me ouvido falar ao telefone. Não tinha muito o que fazer, eram três, e antes mesmo que eu pudesse raciocinar fui acertado novamente na barriga, dessa vez por um pé. Meu estômago doía (ainda dói um pouco), eu não conseguia fazer nada, pensar doía ainda mais. Até onde consegui contar, foram quatro chutes. O que eles falavam eu não ouvia mais. Coloquei as mãos protegendo meu rosto e só ouvia suas risadas. Foi angustiante. Doloroso. Vergonhoso. Dou graças a Deus por não terem me roubado a vida e não terem feito tudo com muita força, talvez por medo de alguém passar e perceber a movimentação. Eu sentia o cheiro e o gosto de sangue por todo meu corpo. Meu casaco cinza eu tinha certeza que estava vermelho. E além de tudo aquilo me deixar com calor, eu tremia. Dor, vergonha, medo, tudo tinha se transformado em um único sentimento. Não chorei. Não sei porque, mas lágrima alguma saiu dos meus olhos. Agradeci também por meu namorado não ter ido me encontrar, eu sabia que ele (por praticar luta e ser maior que eu) não ficaria parado e talvez até mataria os filhos da mãe. Violência não gera violência, mas você já parou para pensar se um dia isso acontece com o seu namorado? Com o seu melhor amigo? Ou até com seu filho ou irmão?

Eu presumi que tivessem se passado horas enquanto me agrediam, mas depois descobri que foram apenas três ou quatro minutos. No máximo cinco. Os minutos mais dolorosos da minha vida. Os mais vergonhosos. Eu acredito em Deus, porque não acreditaria? Só porque aconteceu isso? Só, Haha, é engraçado como agora da para falar a palavra . Não nego que durante aqueles torturantes minutos eu tenha desacreditado. Por um longo tempo eu pensei que morreria. Ainda não chorava até depois deles irem embora. Tentei me levantar mas não consegui. E finalmente alguém me viu e correu para mim. Meu coração desacelerou, eu lembro. Foi a única coisa que lembrei antes de desacordar.

E agora, deitado aqui, depois de ter comido a comida muito sem sal (mas nem estou ligando tanto), ter me cansado até mesmo por passar a noite digitando isso, vendo meu pai dormir na caidera com a cabeça tombada, não deixo de pensar que a vida é assim, não é? Falam tanto que lutam contra homofobia distribuindo kits contra homofobia em escolas, fazendo paradas gays e tudo o mais, mas eu realmente duvido que tenha mudado alguma coisa. A única coisa que vejo nas paradas gays são pessoas indo com o intuito de beijar na boca e arrumar sexo, apenas isso, enquanto pessoas como eu (como aconteceu muito pior com o caso Alexandre Ivo) são atacas em pleno centro da cidade sem nem o direito de se defender. Cadê as autoridades? Cadê a justiça? Se alguém rouba para se alimentar essa pessoa é presa, agora se alguém bate numa outra pessoa por ela ser gay, negra, ou venha de alguma outra religião nada acontece, é isso? Pessoas como o dignissímo Silas Malafaia não querem assinar para o desarquivamento da PLC 122 que penaliza qualquer tipo de intolerância GLS (GLS,GLBT , que diferença faz, não é mesmo? Não agora) por alegarem ser algo que facilitará a pedofilia e também por já existirem leis que penalizam qualquer outro tipo de intolerância. Mas e ai? Até quando teremos que ver outdoors nas ruas, palavras de líderes religiosos vergonhosas em programas sensacionalistas? Até quando teremos pessoas sendo agredidas nas ruas?


Esse texto é puramente fictício.
Não, não aconteceram essas coisas comigo. Não, eu não quis aparecer ou me fazer de vítima para a socidade. Quis sim que chocasse você. Que algo tocasse em você que o fizesse sentir-se incapaz de alguma forma. Porque é realmente isso que somos, não é mesmo? Incapazes porque o poder todo está em mãos erradas e nós somos obrigados a ouvir notícias de mortes de garotos de quatorze anos por intolerância, por agressão a um grupo de lésbicas em lanchonetes todos os dias. Você é obrigado? Desculpa, eu não. E continuarei demostrando que gay, lésbica, hétero, travesti ou seja lá o que queiram rotular é tudo igual. Todos um dia nascemos e morreremos. A diferença é que eu posso até morrer por um crime homofóbico, mas me recuso a morrer por ter de ficar calado. E você?

6 comentários:

Gabriela disse...

O seu post me deu uma ideia para um post no Caderno Impessoal.
Homofobia não é apenas doença. É falta de cérebro.

Luiza Xavier disse...

Realmente Rafael ,essa é a única forma de o ser humano se preocupar com os outros sabia ? Se você não tivesse descrito que alguém te bateu ou algo assim , acho que 90% das pessoas não teriam nem se interessado ! Homofobia é coisa de gente sem noção ! Eu espero que o governo tome providências ...

Mob Cranb disse...

Cheguei no seu blog por indicação de um amigo. Parabéns pelo seu texto e por saber traduzir sensibilidades, angústias, medos e dessabores em palavras.Bastante pertinente a sua reflexão.

Ciganna disse...

excelente texto.
infelizmente muitos ainda olham a cor da pele ou a opção sexual.
infelizmente atitudes violentas existem onde deveria somente existir atos de amor. somos seres de amor e como tal deveríamos valorizar.

Luis Pellegrini disse...

Caro Alexander, se existe mesmo uma coisa chamada diabo, o medo e o preconceito ao diferente são as suas maiores invenções. Talvez devêssemos até usar esses termos no singular, já que medo e preconceito andam sempre juntos e é difícil saber quem surgiu primeiro. O que já testemunhei de sofrimento pelo mundo afora por causa do medo e do preconceito daria pra escrever um livro do tamanho da Bíblia. Basta pensar no que fez o nazismo a milhões de pessoas, só porque eram judeus, ciganos, homossexuais, ou até simplesmente porque apresentavam "defeitos" físicos ou psíquicos... É preciso, sim, como você faz, berrar alto contra todo preconceito, e a homofobia é apenas um deles. Preconceito é doença grave e precisa ser combatida. Abração. Luis Pellegrini
www.luispellegrini.com.br

Reinaldo Santos Fotografia disse...

Nossa!! Você realmente escreve muito bem, por ora pensei que você tivesse exagerando na história, aí pensei que fosse ficção, então, pensei que você escreve tão bem a ponto de deixar a criatividade aflorar e juntar um fato que acontecera com você a uma dissertação boa como esta.

Parabéns pelo texto, encontrei na EPER - comunidade do orkut, através do AleXsander, seu amigo. Beijos!!!