domingo, 4 de dezembro de 2011

Nunca pensei muito em como seria entrar em um cemitério.


É estranho o modo como eu sempre escrevi cenas que o cenário era um lugar assim: o extenso gramado verde, as flores em cima de suas lápides em harmonia, as capelas de madeira ao longe, um tempo nublado... Mas cheguei à conclusão de que esse tipo de lugar talvez só exista nos meus pensamentos. Foi tudo diferente.

Ironicamente (ou não) precisei entrar no cemitério justo no dia dois de novembro, dia de finados. Olhe como a vida é. Vida esta que levou minha tia. Ah, tia Ilda... Porque a vida teve de levá-la pra junto da morte? Não foi ontem mesmo que você envolvia meu pequeno corpo com seus braços e eu podia sentir o forte cheiro de perfume e tabaco? Por acaso não foi ontem também que eu envolvi seu pequeno corpo com o meu não mais tão pequeno assim? Não foi?

O tempo passa tão assustadoramente que às vezes me assusto. Invertemos o papel tão rapidamente. Uma vez era ela quem me abraçava, outra era eu quem a olhava de cima o estrago que o tempo fez, tornando seu corpo miúdo com o decorrer dos anos. Tanta miudeza não queria dizer nada. Afinal tia Ilda era uma mulher muito forte, todos nós sabemos.

Quando a vida decidiu levá-la eu não soube muito o que sentir. Sentiria pena? Dor? Mas as lágrimas não vinham por algum motivo.  Por quê? Talvez estivessem esperando o momento certo para cair. Muito provavelmente foi isso. E de toda aquela cena que eu imaginava, a única coisa que estava certa era o tempo nublado. Apenas isso.

Não consegui encontrar o momento de paz tão falado dentro do cemitério. Não vi nenhum extenso gramado verde ou um ambiente sereno. Pelo contrário, vi um mar de gente desesperada, o cheiro excessivo de flores e velas, um sino ou música tocando ao longe, não consegui distinguir.  Logo na porta da capela estavam muitos parentes debulhando-se em lágrimas. Muitos deles eu nunca havia visto naquele estado. Um único pensamento na minha cabeça: à sombra da morte somos todos iguais.

Quando pus meu pé dentro daquela capela, seja o que for que eu estivesse esperando, não era aquilo. O caixão ainda aberto no meio do lugar. Três ou quatro pessoas se arriscavam ficar debruçadas ali, o restante delas estavam sentadas nos bancos. Meu chão girou mesmo sem algum sintoma de tonteira. As lágrimas que antes lutavam tanto, finalmente vieram à tona. Me agarrei a primeira pessoa que pousou a meu lado; meu tio que estivera em outro estado. Novamente não sabia o que sentir. A dor era insuportável naquele momento. Ficar ali dentro com todas as imagens de uma tia em vida estava me sufocando. Comecei a me questionar, acho que nesse momento todos fazemos isso, não é? Porque eu não fui visitá-la no hospital? Porque eu nunca a disse o quanto gostava dela? Porque eu não dei um último abraço apertado como faço todos os dias com minha mãe? Precisei sentar lá fora ao lado do meu avô, afinal, se havia alguém mais sem chão do que eu ali era ele por perder a própria irmã.

Não costumo parar pra pensar como deve ser depois de tudo isso aqui. Depois de toda a terra jogada em cima daquele caixão (cena a qual minha mãe decidiu não ver por ser muito ligada a tia Ilda). Acaba mesmo? Às vezes gosto de acreditar que a morte é dada por aquilo que o indivíduo acredita. Se eu acreditar no céu ou inferno eu deva ir para um deles, ou se por ventura acreditar na reencarnação eu posso vir como outra pessoa. Acho uma maneira justa de encarar a pós-morte. Tanto para nós, vivos, quanto para eles.

Alguns dias atrás me lembrei de tia Ilda fazendo companhia à mãe para me buscar no ponto do ônibus quando eu voltava tarde do trabalho. E às vezes a tal da ficha não cai e parece que a qualquer momento vou esbarrar com ela na rua ou na porta de sua casa. Ah, essa vida que nos dá essa falsa esperança. Sabe-se lá quando a verei de novo, e se a verei. Só espero que se um dia isto acontecer, eu esteja preparado. E não cometa o mesmo erro ilusório do cemitério.  Não foi o melhor lugar que eu estive, mas também não foi o pior. Afinal, a morte não me assusta mais. A vida consegue fazer isso com grande eficiência.

Nenhum comentário: