Aproveitei que meu sábado foi tedioso para poder escrever.
Acabou que não sai para lugar nenhum por conta de uma preguiça desumana (sem
contar o fato de eu estar saindo desde o Carnaval) e me contentei (ou nem
tanto, estou mentindo) por ficar em casa de pijamas, bebendo cerveja e
escrevendo esse texto que eu já estava planejando há umas semanas. Inclusive
ele é uma dívida a todas as pessoas que vieram me perguntar se eu não
escreveria sobre o caso Silas Malafaia (a polêmica entrevista do pastor com
Marília Gabriela).
Ironicamente, os três assuntos abordados têm seus meios em
comum. Vá entender. Mas é como um ciclo, e infelizmente, de coisas ruins. E
parece que coisa ruim é sinônimo de Silas Malafaia. Que apesar de ser um homem
inteligente me dá náuseas toda vez que abre a boca. Não vou dar uma de ativista
aqui agora para ganhar curtidas, mas discordo em gênero, número e grau com tudo
o que ele fala. O "x" da questão e o que me preocupa bastante é ver
que Malafaia é um homem influente e que tem o dom da oratória. E claro, sem
contar que está a frente de uma congregação muito forte dentro da sociedade
atualmente. Em plena rede nacional, ousou dizer que 46% dos homossexuais foram
violentados durante a infância e 54% escolheram ser. E sem fornecer fonte
alguma sobre esse e outros dados. Além de falar que a Teoria da Evolução não é
comprovada cientificamente. E teve o ápice não só da minha vontade de vomitar,
mas acho que da maioria, quando disse: "Eu não acredito que dois homens
possam criar uma criança perfeita e que dois homens e duas mulheres tenham
capacidade para desenvolver um ser humano."
A entrevista gerou tanta polêmica desde o dia em que foi ao
ar (03/02) que foi parar nos assuntos mais comentados da internet, resultando
também em dezenas de vídeos contestando os argumentos falhos do pastor
(inclusive o depoimento de um geneticista e biólogo) e numa petição para caçar
seu registro de psicólogo. É óbvio que uma entrevista dessas não aconteceu
inocentemente, uma vez que Silas é conhecido por suas declarações polêmicas
acerca do aborto e da homossexualidade. Quem saiu ganhando em audiência foi o
SBT e todos os fundamentalistas que seguem a doutrina de ódio que esse pastor
prega. Eu poderia escrever uma tese sobre essa entrevista e o comportamento do
Mala, mas os outros assuntos precisam ser levados a público com tanto fôlego
quanto esse ódio que o pastor apresenta aos seus fiéis.
Não muito distante de um pastor, está um cardeal com seus
princípios dignos de entrevista com Marília Gabriela. Ou nem tanto, eu gosto da
Gabi. Mas imagine a história: o Papa renuncia o cargo de maior líder espiritual
do mundo. Coisa que aconteceu pela última vez em 1415. Logo depois, algumas
pesquisas indicam que um dos possíveis sucessores é um homem negro, natural de
Uganda mas que é a favor da pena de morte à homossexuais. Não, isso não é o
próximo livro do Dan Brown (pelo menos não agora), mas aconteceu no início da
semana para o choque do mundo inteiro. E o possível sucessor de Bento 16 se
chama Gana Peter Turkson, um homem negro que talvez tenha esquecido que
homossexuais são tão perseguidos quanto os negros. Em época remotas, inclusive
pela própria igreja, que também usava a bíblia como argumento.
Onde esses dois horrorosos casos refletem? No nosso
cotidiano. Talvez não diretamente a ponto de toda a sociedade enxergar a culpa
neles, mas de uma forma sútil que nos assalta sempre que abrimos um jornal e
lemos sobre agressões a homossexuais. Ou quando vemos alguém na rua gritar
insultos à um casal, à um travesti ou à um pai e um filho abraçados como já
aconteceu num passado que foi obrigatoriamente esquecido. E eu registro o meu
medo aqui. Não por esses líderes religiosos, mas pelo peso que os nomes de
Silas Malafaia e do Papa têm sobre as sociedades do mundo todo. O poder da
oratória que lhes foi dado é pior que qualquer arma, pois incita reações de desaprovação
e ódio em quem os segue, alegando estar fazendo a vontade de Deus. Estou
imparcial a todas as religiões, mas é lastimoso ver que uma mensagem de paz tem
sido tão distorcida a ponto de encararem como a única verdade absoluta.
O ser humano tem muito medo daquilo que não entende, isso
sempre ficou claro na nossa história de vida como sociedade. Tendo como um dos
maiores exemplos de intolerância, a homossexualidade não é o único agravante
que comprova esse medo que o homem tem do desconhecido. Lucas Viglio
(heterossexual) é uma das vítimas desse reflexo de ditadura que temos aceitado
conviver a cada dia. Em uma viagem de ônibus na última terça de Carnaval foi
tratado de forma repulsiva e preconceituosa pelo motorista da empresa, apenas
por exibir suas duas tatuagens na perna. A agressão do motorista para com o
estudante se deu com um simples, porém insultuoso, assobio diferenciado que
segundo o mesmo era coisa de bandido. Com esse tipo de comportamento é notável
que não só a parcela gay está sofrendo com a intolerância.
O que está acontecendo com a população? Será que é tão
difícil assim aceitar a realidade dos outros? Quem dita o que é normal ou
certo? O Deus que é citado ou a igreja que cita o deus? Todos têm a falsa
imagem de que carregam o martelo do juiz apenas porque sua doutrina prega a
única verdade redentora. Não tem Malafaia, Papa negro ou motorista de ônibus
certo... Nós somos livres, merecedores do direito de ir e vir para onde, com
quem e do jeito que quisermos. O que esses episódios nos mostra é que nós não
estamos munidos o suficiente para combater o medo e Jean-Paul Sartre, filósofo
francês do século 20, de todo modo estava certo ao escrever que o inferno são
os outros.
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