sexta-feira, 12 de abril de 2013

Prazer


A premissa era de que todos os lugares fossem ocupados no primeiro dia de apresentação ao grande público da peça Prazer, produzida pela premiada Cia. Luna Lunera. Antes mesmo de todos os lugares serem ocupados - e os foram, todos - os atores já estavam em palco, escrevendo frases por todo o cenário, que mais parecia um grande quadro negro. A princípio, aparentou ser um cenário simples, sem muitos pontos a serem explorados, apenas para emoldurar as atuações dos quatro únicos atores do espetáculo. Mas como toda a peça, o cenário quis dizer muita coisa no decorrer das cenas.

As luzes se apagam e pronto, os personagens começam a tomar forma. Nos dez minutos iniciais, algumas características dos mesmos já estavam completamente formadas, contudo, algumas outras coisas me faziam crer que não gostaria do tipo de linguagem que o texto começava a utilizar. Além das sequência inicial parecer confusa, o ápice de meu desespero foi não entender muito a dicção dos atores e precisar mirá-los de costas para a plateia. Internamente, pedia que aquilo não interferisse na minha maneira de ver e já anotava mentalmente tudo para escrever a essa hora.

Felizmente, e sem ao menos perceber a linha entre o meu desespero e meu alívio, ninguém mais estava de costas e agora a dicção de todos os atores fluía naturalmente de acordo com suas falas. A plateia não perdia uma palavra do texto, um suspiro se quer. E o grupo de Belo Horizonte estava mostrando a que veio.

Referência no circuito mineiro de teatro experimental, a Cia. Luna Lunera manteve a forte inspiração no universo de Clarice Lispector, em especial Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969). Contemplado pelo prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2011, o texto ganha e dá vida a personagens complexos e repletos de medos, angústias, manias, mas que buscam a tão famigerada felicidade. A história dos quatro amigos, sempre interligadas uma nas outras, começa mostrando de preocupações fúteis à problemas mais sérios da vida adulta. Com suas vidas no exterior, as quatro personagens são reflexos das palavras de Lispector rabiscadas nas paredes do cenário. O cotidiano de tais personagens começa a gerar conflitos entre si e dentro de suas cabeças cheias de questionamentos. A preocupação em manter uma máscara social  é abordada de maneira intensa, por vezes cômica, mas sem perder o fio que a amarra à todos os outros problemas.

Torna-se impossível destacar os pontos fortes do conjunto todo: se por ora é notável o excelente desenvolvimento do texto pela Luna Lunera, por outro, já nos encantamos pela direção de dramaturgia de Jô Bilac (de Caixa de Areia e vencedor do prêmio Shell de melhor autor no Rio, em 2010, por Savana Glacial), norteando personagens fascinantes e que facilmente podem ser comparados a conhecidos de nosso dia-a-dia. O cenário se torna outro personagem à parte: ele fala com o público, dá o suporte para o amparo de diversas situações. A sonoplastia e a interação com elementos digitais também são destaques a parte, por tratar de criar inúmeras partes do cenário e nos fazer acreditar com tanta facilidade que o mesmo poderia ter mudado sem termos notado. 

É um espetáculo gostosamente aromático, que pega a plateia pelo cheiro do pão de queijo ou pela angústia da fumaça expelida da chaleira no fogo. Em suma, é uma produção de extremos: é visceral, explora o ponto mais dócil, amoroso e até ingênuo de seus personagens, mas trás a tona seus monstros mais profundos. De tantas características, pode-se ser considerada uma peça agressiva e ao mesmo tempo sensível, trazendo questionamentos para nossas vidas ao acender das luzes.

Das atuações à fotografia e iluminação, evidencia-se um maravilhoso trabalho que torna tudo uma grande massa. Regada a poesia, essa massa ganha forma a cada segundo em cima do palco, a cada foco de luz e a cada cena. A fórmula para que ganhasse liga deu tão certo que algumas sequências são responsáveis por arrepios e comoção. Se toca tanto assim em nosso íntimo? Gosto de acreditar que sim, mesmo sabendo que cada personagem deste espetáculo seja nada mais que boa parte daquilo que nos preenche. São homens e mulheres que, apesar de seus cárceres, lutam consigo mesmo, num ato de coragem, amparando uns aos outros, tentando mandar para longe suas falhas e trazendo mais auto entendimento, mais felicidade e mais prazer.

Prazer está em cartaz no Centro Cultural Branco do Brasil - RJ 
de 11 de Abril a 02 de Junho.

FICHA TÉCNICA

Concepção e dramaturgia: Cia. Luna Lunera
Atuação e codireção: Cláudio Dias (Camilo), Isabela Paes (Isadora), Marcelo Souza e Silva (Marcos), Odilon Esteves (Ozório)
Codireção: Zé Walter Albinati
Orientação dramatúrgica: Jô Bilac
Preparação corporal: Mário Nascimento
Residência artística: Roberta Carreri - Odin Teatret
Pesquisa em artes digitais: Trem Chic
Equipe de artes digitais.
Direção: Eder Santos
Coordenação geral de produção videográfica: André Hallak
Edição: Leandro Aragão
Produção: Barão Fonseca
Concepção cenográfica: Ed Andrade
Assistente de cenografia: Morgana Mafra
Execução do cenário: 100 Pregos
Figurino: Marney Heitmann
Assistente de figurino: Alexandre Frade
Confecção de figurino: Maria Vieira
Iluminação: Felipe Cosse e Juliano Coelho
Assistente de iluminação: Jésus Lataliza
Operação de som e vídeo: João Peulo Pereira
Participação afetiva: Cláudia Corrêa
Ator stand by: Guilherme Théo
Produção Executiva: Talita Braga
Projeto gráfico: 45 Jujubas
Registro videográfico e vinheta: Léo Pinho
Vídeos adicionais para divulgação: Guilherme Reis
Fotografia: Adriano Bastos e Carlos Hauck
Assessoria de comunicação RJ: Astrolábio Comunicação - Bianca Senna
Produção local RJ: Travessia Produções - Daniel Carvalho Faria.

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