quinta-feira, 2 de maio de 2013

O deus, o guerreiro e a cigana

Não sei mais gostar. Não consigo cogitar a possibilidade de me interessar por alguém, por mais que eu tente; por mais que haja alguém do outro lado. Não consigo mais pensar por dois, ou quando penso, estrago tudo. Crio mundos, situações, me torno o acaso. Me torno um deus para ateus. Mas para aqueles que acreditam, sou um deus mesquinho, manipulador, tirano, maldoso. Sou um deus de um povo que não sabe interpretar minhas vontades, não é capaz de enxergar minhas exigências mínimas. Sou um deus de um povo cego.

Já lutei por batalhas perdidas, ainda luto quando faz frio. Ainda luto quando o frio trás sentimentos vivos demais, parafraseando André Takeda. E vivo desses sentimentos, ou apenas os vejo passar diante de mim. Rodando na minha cabeça. Vira um elmo que logo se estende por uma armadura e me aquece. Mas ironicamente não me protege. Me torno um guerreiro, com armadura e espada. Luto pelo o que acredito, e por tudo o que quero acreditar. Venço fúteis batalhas, perco guerras internas. Sei quem é meu inimigo, e ele penetra minha armadura com tamanha facilidade. Sou eu, vencedor de batalhas fúteis, perdedor de guerras internas. Sou eu, que adentro minha armadura sem fazer força, sentindo meu sangue ferver enquanto luto comigo mesmo.

Não quero falar sobre isso, não consigo mais compor. Poesia alguma sai dos meus dedos, da minha mente. Me sinto desfalecido. Fadado a prever cada passo meu, cada suspiro, cada emoção comprada. Me tornei uma cigana. Sou nômade, sou uma andarilha, troco mentiras por moeda de ouro. Digo que está tudo bem, que ela terá um lindo filho, que ele ficará bem, que eles terão felicidade. Digo até a verdade se me pagarem bem. Se me levarem daqui, se acreditarem nas minhas previsões. Só peço que não perguntem sobre mim, sobre meus dons sobre mim mesma. Se faço boas previsões sobre minha vida como faço para terceiros? Não acredito mais em mentiras. Guardo meu véu, minha bola de cristal, minha espada, minha onipotência e minhas três personalidades para ocasiões especiais. Dia desses fico pelado, frágil, à mostra, sem personagens, sem qualquer vestígio de que eles existam. Fico exposto e seguro, longe do perigo que sou.

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